01 janeiro 2012

Na cabeça do cliente

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
http://lugaraopensamento.blogspot.com/
01 Janeiro de 2012




Por longos anos se formaram vendedores para que estes controlassem a forma de pensar dos clientes. Também embarquei nessa via que resultava dada a falta de informação dos clientes em muitos domínios, bem como por força da carência de alternativas no mercado. Foi o primado dos fornecedores sobre os clientes, em que o instrumento transaccional por excelência era a técnica de vendas. Os laboratórios criavam produtos e às vendas competia colocá-los, convencendo os mercados que deles necessitavam. Há quem chame a este período o império dos fornecedores – “Os clientes podem escolher a cor (do célebre Ford-T), desde que seja preto”, dizia ostensivamente Henry Ford. Seguiu-se-lhe o reinado do marketing, em que se pretendeu conduzir o cliente ao desejo compulsivo de comprar. Nas empresas, a Gestão das Vendas cedeu lugar à Gestão da Procura, nas palavras de Philip Kottler.

Complicaram-se as coisas para o lado dos vendedores. Já não bastava “ter jeito para vendas”, quase sempre confundido com facilidade de expressão e de objecção. De súbito, novas padrões de competências (soft skills) como a relação com os clientes baseada na criação de confiança, na transparência e na honestidade, na gestão de expectativas, e na escuta activa, haveriam de se revelar indispensáveis.

Em vez de tentarem conduzir o raciocínio dos clientes em determinado sentido, os vendedores passaram a preocupar-se em entender os caminhos lógicos que os clientes utilizavam nos processos de decisão.


O que influencia mais a decisão


Quando o cliente já se considera suficientemente informado para poder decidir, a tomada de decisão torna-se simples e, em regra, é rápida. Mas, nem sempre é assim. Imaginemos os seguintes óbices, muito habituais:

• Existem várias alternativas;
• O investimento é elevado;
• A credibilidade do vendedor não é suficiente;
• Os intangíveis são significativos;
• É a primeira decisão neste domínio;
• As especificações da solução envolvem alguma dúvida;
• Não há referências sobre a solução;
• Não estão claros todos os custos em causa.

Qualquer destas situações gera climas emocionais pesados, e complica o processo de decisão. É possível, no entanto, lidar com estas dificuldades de forma eficaz. Fundamental é entender em que fase do processo o cliente se encontra, pois qualquer delas exige actuação específica. Considerar, por exemplo, os seguintes estádios facilita muito a nossa missão:

Fase I: Identificação da necessidade
Fase II: Procura de soluções
Fase III: Selecção da melhor solução
Fase IV: Quantificação da proposta
Fase V: Assinatura do acordo
Fase VI: Acompanhamento e avaliação da solução implementada

Ambas as partes devem colaborar em todas as fases, pois é assim que se gera confiança, partilha decisões, cria relação futura. Saliente-se que cada fase comporta duas componentes: Identificar a necessidade – Mudança e Insatisfação; Procura de soluções – Pesquisa e Identificação das Ofertas; Selecção da melhor solução – Estudo e Comparação; Quantificação da proposta – Custos e Benefícios; Assinatura do acordo – Riscos e Compromissos; Acompanhamento e avaliação da solução implementada – Expectativas e Realidades.

É fundamental que o vendedor tenha consciência de todos os passos deste processo, e seja flexível e competente na abordagem a cada um deles.


O vendedor é um actor


1. Como “Estudante” – estuda a aproximação ao cliente

Todas as mudanças geram oportunidades. Os vendedores que seguem esta ideia são, em regra, premiados. Os melhores vendedores focalizam-se no cliente em vez dos produtos que representam. Por vezes até são considerados como parceiros e consultores dos seus clientes, e o segredo que utilizam chama-se informação tão detalhada quanto possível acerca dos seus clientes e características dos mercados onde operam.

2. Como “Médico” – atenta em pormenores, descobre grandes necessidades

A insatisfação pode avaliar-se pela distância que decorre entre o que se tem e o que se gostaria de ter. Quantificar esta lacuna torna-se mais fácil quando o vendedor tem perspicácia para identificar pequenos nadas que significam muito para o cliente. É a táctica de observar sintomas para perceber as causas escondidas. A boa notícia é que é possível desenvolver metodologias de detecção de sintomas. Os bons vendedores preocupam-se em perguntar o que preocupa os clientes no domínio de custos e benefícios, sede da maioria das necessidades ocultas, para assim poderem preparar a prescrição ideal.

3. Como “Designer” – arquitecta uma solução competitiva

Indicar a melhor solução técnica não chega, é preciso que ela seja competitiva e sustentável. O bom vendedor define os limites do combate com os seus concorrentes, partindo do conceito global para a solução específica, afastando contra-argumentações e prevendo objecções. Para que a estratégia funcione, o passo que foi designado como “estudante” é crucial. O designer tem de ser visto como especialista, o que significa conhecimento sobre o cliente, seus mercados, e concorrentes, para além de ser encarado pelo cliente como um verdadeiro profissional de vendas.

4. Como “Coach” – auxilia e apoia o cliente

Os clientes sentem-se muitas vezes confusos quando comparam as diversas ofertas que os diferentes vendedores lhe apresentam, até pela terminologia que cada um utiliza. Nestas alturas, os futuros decisores sentem-se indefesos, temendo tornar-se presas fáceis. Pedir auxílio a quem desconfiam não é, de facto, fácil nem parece aconselhável. Contudo, quando desde início e com base em experiências passadas, um vendedor consegue tornar-se “Coach”, então disporá de uma imensa vantagem competitiva – as emoções são mais fortes que as razões. Esta aproximação permite igualmente afastar as discussões centradas nas características dos produtos, e, tão ou mais importante, da questão dos preços. Por outras palavras, os trabalhos distanciam-se da análise de características e descrição de funções, orientando-se para a quantificação de benefícios a colher – o que o cliente ganhará se concordar com a proposta, e o que deixará de ganhar se a rejeitar.

5. Como “PSI” – conforta pensamentos e afasta receios

Contornar emergências é sempre preferível do que ser surpreendido por ameaças não perspectivadas. A isto, os decisores chamam gestão de risco, e todos desejam praticá-la a fim de os evitarem. Quando o vendedor consegue partilhar este caminho com o seu futuro cliente, sabe que a sua proposta está quase ganha. Esta relação não é, contudo, fácil de alcançar – envolve observação e sensibilidade apuradas, identificação prematura de preocupações e medos, discussão aberta de alternativas, e elevado grau de resiliência, pois antes de decidir quase todos os clientes parecem regredir equacionando fortemente a possibilidade de desistirem da decisão. É habitual o vendedor ter de reassumir o papel de “Médico” sem hesitações. Se assim for, os cuidados colocados em 2, devem ser reforçados.

6. Como “Negociador” – recorda e confirma os benefícios mútuos

Os termos e condições do futuro contrato constituem fortíssimo factor de decisão. Eis algumas das razões que podem tornar inviável o que parecia ser uma proposta tecnicamente perfeita: (1) Custo insuportável; (2) Preço muito superior aos concorrentes; (3) Encargos que não cabem no orçamento do cliente; (4) Demasiado tempo para implementação; (5) Valor dos benefícios a recolher superam os encargos a suportar. É por tudo isto, que os vendedores eficazes sabem que devem auscultar os futuros clientes em todas estas áreas, certificando-se que na altura da entrega da proposta formal para adjudicação, o cliente não objectará nestes campos. Esta metodologia, comum a todas as filosofias CRM (Customer Relatioship Management), designa-se por inquérito às Condições de Satisfação dos Clientes (Conditions of Satisfaction – CoS). Para que esta aproximação resulte, o vendedor deve ter permanentemente presente nos contactos com o cliente: Necessidades (atenção que podem variar ao longo do estudo), Alternativas, Tempo, Relacionamento, Encargos, Disponibilidade, Credibilidade, Conhecimentos, e Competências (Skills). Nada de truques nem habilidades.

7. Como “Contratante” – formalizando o acordo

É normal que na fase de discussão da proposta formal, surjam acertos de pormenor, por vezes até algumas concessões. Nada deve ficar combinado, tudo deve ser passado a escrito. O contrato final não deve ser um apêndice à proposta e seus anexos, mas sim um documento completo e autónomo, se bem que podendo apelar a articulado descrito na proposta.

8. Como “Parceiro” – acompanhando a implementação

Reconquistar um cliente que se perdeu pode custar até cem vezes o que custa obter uma nova encomenda dum cliente satisfeito. Por isso acompanhar a implementação dum acordo se tornou tão importante no trabalho constante dos vendedores. Ao fazê-lo os vendedores sabem que estão a alimentar a relação, controlando a gestão das expectativas dos clientes. Em simultâneo, vão refinando o seu conhecimento acerca dos padrões de exigência dos seus interlocutores, detectando novas oportunidades de negócio.


Novo Paradigma nas vendas?


Os compradores estão cada vez mais conhecedores das suas reais necessidades, da sua força negocial, e dos benefícios que podem recolher da crescente concorrência dos mercados e das modernas tecnologias que suportam os diversos canais de distribuição. Os fornecedores revelam por seu lado maiores pressões sobre os preços e as condições contratuais, chegando a referir-se à lealdade às marcas como uma miragem. As empresas sabem, por isso, que só investindo na qualidade dos seus vendedores podem enfrentar os novos desafios. Entre as principais deficiências apontadas pelas empresas aos seus vendedores encontram-se: Inabilidade na comunicação, carência de conhecimentos básicos e específicos, excesso de agressividade, ausência de sentido de urgência e de compromisso, e recurso a promessas irrealistas.

A opção por filosofias estandardizadas de vendas, com base informática e estrutura processual, é um caminho quase que óbvio para eliminar desvios indesejáveis. É claro que os vendedores não gostam deste tipo de aproximações, argumentando que o campo criativo fica muito reduzido. Mas, na verdade, não é isso que deverá acontecer. Pela drástica eliminação de tarefas burocráticas, definindo o que deve ser conseguido em cada fase do processo comercial, a força de vendas deverá ficar mais liberta para aplicação das suas capacidades e conhecimentos específicos, ganhando portanto eficácia.

Aos gestores de vendas compete explicar o novo paradigma, as novas necessidades, as novas posturas, e as oportunidades acrescidas que decorrerão do novo posicionamento das suas equipas. Este é um trabalho prévio à implementação de qualquer nova filosofia, e condição crítica de sucesso.

É fundamental que os vendedores entendam que a visão imediatista não constrói relações futuras. Aliás, tão pouco é visão, não passa duma imagem. É preciso que acreditem que lhes compete acrescentar continuadamente valor nas relações com os clientes. Eles, os vendedores, são o instrumento crucial desta filosofia.

O crescimento sustentável das organizações que servem está refém desta mentalidade. E as suas carreiras dependem da forma como evoluírem como profissionais de elevada credibilidade.

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