04 dezembro 2011

O cliente NÃO tem sempre razão

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
http://lugaraopensamento.blogspot.com/




Na verdade, “o cliente tem sempre razão” ajuda muito a introduzir qualquer recém-chegado à equipa de vendas. Incute respeito pela missão de vendas. Os mais experientes usam o mito no processo de socialização. Os directores, mesmo que não concordem (por mim falo), não reforçam a ideia, mas deixam-na passar.

Os novos vendedores na ânsia de brilhar, e pressionados pelo objectivo de manter os clientes satisfeitos, tendem a cair na armadilha de tentar responder positivamente a pedidos irrealistas. E quantas vezes os clientes pedem impossíveis, umas vezes porque se posicionam como predadores dos fornecedores, outras por não terem real noção do que na realidade precisam.

A experiência encarregar-se-á de mostrar a estes ultra-voluntariosos prestadores de soluções que o segredo da satisfação de clientes está, acima de tudo, na correcta gestão de expectativas. Mas a experiência carece de tempo. A formação comportamental destes novos profissionais torna-se assim crucial ao seu êxito e ao desenvolvimento das organizações que servem.


Ajudar o cliente a perceber o que lhe faz falta


Por vezes os clientes não sabem explicar o que pretendem. Noutras alturas não conseguem mesmo entender o que necessitam. É claro que não admitem uma situação nem a outra, muitas vezes de forma deliberada não vá o fornecedor perceber a sua falta de conhecimentos na área, ou a extrema urgência que têm para resolver a questão em aberto. Os bons vendedores lidam bem com estes ambientes, tornando-se rapidamente conselheiros do candidato à compra.

Há, no entanto, que perceber a enorme distância que decorre entre “o cliente tem sempre razão” e “normalmente o cliente não sabe o que quer”. Posicionar-se correctamente entre os dois extremos, deslizando circunstancialmente mais para um lado ou para outro, define o talento do vendedor. O lema é “só se justifica prosseguir a negociação se ambas as partes retirarem benefício da transacção”. Não respeitar este princípio é correr graves riscos de insucesso.


Perceber o processo de decisão do cliente


A publicidade encarrega-se de nos convencer de que temos necessidade de algo. O marketing procura levar-nos a desejar colmatar essa necessidade através de determinada solução.

O vendedor experimentado sabe que, desde o mais cedo possível, tem de identificar a necessidade do cliente, o que o cliente valoriza (condições de satisfação), o que o cliente ganhará com a solução e o que perderá se não a implementar, quem na organização sairá beneficiado no novo cenário, e quem considerará que a adopção da solução a propor pode representar ameaça.

Além disso, é óbvio que tem de estar seguro de poder responder ao pedido em condições lucrativas, mas essas são questões internas.


A arte de negociar


Valorizar exclusivamente os aspectos tangíveis duma proposta é meio caminho andado para o insucesso. As transacções comerciais não são somente racionais. Por incrível que possa parecer é preciso “valorizar os intangíveis”. Gerir as relações emocionais é fulcral sempre que se visa, para além da presente venda, a criação dum ambiente de confiança que facilite novas vendas no futuro. “Dá-lhe (ao cliente) exactamente o que ele pede e não terás problemas” não é posicionamento recomendável.

Ao contrário do que os maus vendedores pensam, o processo de negociação não é o passo seguinte à apresentação da solução. A negociação inicia-se no momento em que se discute qual é o problema, situando-o em limites razoáveis e exequíveis, controlando as expectativas desde os primeiros momentos. Melhor dizendo, a negociação ao iniciar-se desde os primeiros contactos, permite acordar as dimensões das questões a endereçar, em lugar de mergulhar num pântano de indefinições irrealistas ou de duvidoso custo-benefício.

Alguns princípios assumem-se como factores críticos de sucesso:

• Fornecedor e cliente consideram-se, pelo menos no início, com interesses antagónicos;
• Evitar posições “certo” e “errado”. Ambas as partes consideram que estão certas, e, não raro, que os outros estão errados;
• Nunca admitir promessas, ou mesmo expectativas implícitas, de elevado grau de incumprimento;
• É objectivo da presente transacção criar condições para futuros relacionamentos.


A importância da qualidade


O único juiz capaz de definir se um produto tem qualidade é o cliente. Ponto. Experimente explicar a uma criança que a McDonalds não tem qualidade e irá ouvir das boas (assumindo que a criança se sente à vontade para dizer o que acha). É claro que não estou a defender que a qualidade intrínseca dos produtos possa ser negligenciada. O que quero afirmar é que essa qualidade intrínseca não garante a satisfação do cliente. A noção de valor atribuída pelo cliente é que condiciona a opção de compra e a consonância cognitiva subsequente.

Significa isto que entre os skills mais importantes do vendedor se encontram os dotes de escuta activa e o potencial empático, o que significa grau elevado de Inteligência Emocional, tal como Daniel Goleman e Richard Boyatsis a definiram.


Consideração final


Que não se conclua, pela leitura apressada do título deste texto, que a opinião do cliente possa ser negligenciada. Como foi mencionado, os bons acordos cimentam-se em convergência de interpretação das questões colocadas e das soluções adiantadas.

O acordo ideal é o que consiga alcançar todas as expectativas geradas. E, mais do que isso, que seja possível monitorizar a evolução dessas expectativas.

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