02 dezembro 2011

Trabalho e Emprego

Por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
http://lugaraopensamento.blogspot.com/



Sagres, num qualquer fim de tarde do último quinquénio do século passado. O local era um daqueles incaracterísticos cafés da histórica e simpática vila onde tradicionalmente passava férias havia vinte anos. Como era hábito, a nossa tertúlia encontrava-se para fazer boca para o jantar. Entre os poucos amigos presentes nesse dia estava o Luis, ex-pescador artesanal, encarado pelo fisco como profissional por conta própria. Luis era homem de cultura popular, vivo de raciocínio que nem insigne académico.

Carlos chegou com um grupo de acompanhantes que não conhecíamos. Eram seus colegas professores universitários. Aproximou-se de nós e procedeu às apresentações:

- Luis, este é o Sr. Doutor X, este é o Sr. Doutor Y, (e por aí fora); Meus amigos, este é o Luis, nosso amigo pescador aqui na vila.

Luis, ágil de raciocínio como era habitual:

- Oh amigo Carlos, você ainda me há-de explicar porque é que os seus colegas são Srs. Doutores e eu não sou Sr. Pescador.

Silêncio geral.


A sociedade construída em torno do trabalho


De facto, para onde quer que nos viremos, o estatuto profissional supera os direitos de cidadania. É provável que o leitor não tenha atribuído grande significado ao estatuto que o trabalho confere. Proponho-lhe que reflicta sobre dois exemplos:

Porque será que algumas profissões, terminada a chamada vida activa, se consideram jubiladas enquanto outros são reformados?

Porque será que um cidadão ex-militar continua conhecido pelo seu ex-título castrense? Encontro as seguintes explicações possíveis: clarificação do nível de ascendente sobre as massas anónimas e, por inerência, indiferenciadas.

Contudo, a situação mais brutal passa-se com os desempregados. A sociedade que naturalmente deveria entender a condição de desempregado como vítima de autêntico flagelo, tende a tratá-lo como marginal, indigente, e parasita.

O trabalho, de necessidade para sustentar a vida, e dever universal como contributo social, assumiu-se como identitário. Se duvida, experimente num qualquer quiosque de atendimento, responder à questão “Profissão?” com “Não tenho”. Repare na reacção do atendedor – provavelmente fixa-lo-á incrédulo, resistindo a perguntar-lhe algo de menos próprio. Mas, se o leitor se identificar como advogado, provavelmente passará a ser tratado por “Senhor Doutor”, e, se responder que é engenheiro, o mais certo é que o seu interlocutor se esqueça do seu nome e o trate por “Senhor Engenheiro”.


Funções sociais do trabalho


É pelo trabalho que as pessoas acedem ao circuito produção-distribuição-consumo. A inserção do indivíduo nesta cadeia, ou melhor, o seu posicionamento em cada um destes estádios é o principal factor de repartição de rendimento individual.

Noutra dimensão o trabalho assume papel de agente secundário de socialização, de produtor e regulador de relações interpessoais.

Para além disto, o trabalho é o grande organizador de tempos e espaços sociais quotidianos.

Em suma, o trabalho é fundamento de legitimidade social. A pequena história que iniciou este artigo ilustra bem em conclusão. Foi exactamente por isso que aqui a partilhei.


Funções económicas do trabalho


Pelos rendimentos do trabalho os indivíduos adquirem autonomia financeira, mas também ideológica e moral. Dir-se-á, então que o trabalho é vertebrador da actividade pessoal, fonte de estatuto, guião de papéis, e de identidades.
O estatuto profissional e as responsabilidades a ele inerentes facilitam percepção de utilidade pessoal na sociedade, bem como o desenvolvimento de aspirações, expectativas, e planos pessoais, e a experimentação dum vasto leque de emoções acerca do pensamento auto referencial.

Poderá, assim, concluir-se que é o trabalho que modela o indivíduo, condicionando a sua relação com o meio, através das capacidades económicas que lhe confere. Comentador mais frio poderá até concluir que mais do que é, o trabalhador impõe-se pelo que tem ou revela ter.


Estabilidade laboral e crises de mercado


As crises acontecem quando as evidências herdadas, chamemos-lhes legado, se tornam subitamente questionáveis, dificultando o devir que se julgava definido.

Ora, se nos recordarmos que o modelo de produção, desenvolvimento, e acumulação, remonta a Henry Ford, parece legítimo questionar se assim a sociedade actual se encontra em condições de garantir a integração de todos os cidadãos, nomeadamente os que dependem das suas capacidades para trabalharem por conta de outrem.

Colocando a questão doutra forma: Se o trabalho vier a perder a características vitais de valorização social e orientação moral dos cidadãos, será que poderemos pensar que estamos perante o fim da sociedade baseada no trabalho, ou mesmo considerar que esta será uma fatalidade histórica?


A exclusão social como norma?


Os meios de comunicação social e os agentes políticos esforçam-se por difundir a mensagem que os detentores do capital preferem: A actual dinâmica de modernização, associada aos avanços tecnológicos, e às consequências da globalização, não é assunto conjuntural, antes indício de profundas e inevitáveis alterações estruturais. O novo modelo social está em construção. Esqueçam os paradigmas anteriores.

Dito de forma diferente – A precarização do emprego é, de facto, o processo fulcral à evolução do capitalismo moderno, regido pelos novos ditames tecnológicos e económicos.

Legítimo será então pensar que, salvo profunda alteração dos modelos construídos durante o século XX, estaremos à beira dum mundo gerador de excluídos sociais. Haverá sistema de protecção sustentável que possa suportar tão nefasta realidade?


Como será o trabalho no futuro próximo?


Assumindo que a sociedade continua em evolução sem revolução, ganha forma o seguinte panorama:

• Trabalhos (no plural) em vez de emprego;
• Generalistas ganhando terreno aos especialistas;
• Obsolescência recorrente das competências exigirá formação contínua;
• Valores e princípios tornar-se-ão cada vez mais efémeros;
• Face às novas leis laborais, a segurança profissional não passará de mito;
• Cada pessoa terá em média 6 a 7 contratos de trabalho ao longo da vida activa;
• Idade mínima para reforma acompanhará a esperança de vida média da população.

Este é um óptimo desafio de reflexão para o qual desafio o leitor.

Permita-me um conselho: Seja criativo, pois, mesmo assim, correrá altíssimo risco de vir a ser surpreendido pelo futuro.

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